sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Angélica - Capítulo 1



Capítulo 1

Já fazia uma semana que John havia morrido. Seus 4 anos de casada foram os mais perfeitos de sua vida, revisava Angélica. Cada talher, cada copo, era motivo para chorar. Não aquele dia. Já havia chorado durante toda a semana. Miguel, o filho do casal de apenas dois anos, esteve na casa de seus pais, para um longo passeio a ponto de suavizar toda a situação e também para que Angélica pudesse desabar um pouco, sem precisar parecer forte para seu filho, pelo menos durante alguns dias. Sabe ela que cada olhar no rosto daquele menino vai remeter-lhe a John, aqueles olhos negros e amendoados, bem parecidos com o de seu pai... Aquilo era só uma preparação, um treino, pra conseguir olhar para seu filho e não chorar.

Quem diria! Viúva aos 28 anos! A sua vida, toda sua trajetória de vida, parecia escrita junto a ele. Conheceram-se na adolescência, na escola, apesar de não terem namorado de cara, eram apenas amigos. Ele nutria uma paixão secreta por ela, situação que estourou assim que ela arranjou um namorado! Este melhor amigo dele na época.
Porém, o destino sabia o que fazer. Acabou fazendo faculdade no mesmo campus, o que acabou os aproximando e a relação de Angélica com Paulo, antigo namorado, estava indo de mal a pior. Tudo colaborava para a aproximação dos dois. Após a formatura de Angélica como comunicadora social, eles começaram uma relação séria e logo veio o pedido de noivado e, consequentemente, casamento. Era uma sintonia tremenda. Os dois praticamente pensavam igual, queriam as mesmas coisas. Miguel foi apenas consequência de tanto amor, um fruto que veio pra alegrar a vida e a família de ambos. Porém o destino preparou uma armadilha e tanto naquele dia de chuva.

Um acidente de carro, desses que não se explica, onde John passava sempre, foi o motivo da morte dele. Não houve momentos de despedida no hospital, com juras de amor antes da morte, não. Foi um acidente fatal, desses que despedaça completamente o carro, que ele morreu no momento da batida, de traumatismo craniano. Foi como uma porrada, dessas que nos deixa rolando no chão por horas a fio. Era assim que Angélica sentia-se: golpeada fatalmente.

Era o ultimo dia que pretendia visitar aquele cemitério, de apenas algumas quadras da sua casa. Já estava procurando uma nova casa, num lugar distante dali, que não lembrasse em nada aquele por quem foi apaixonada. Era início de verão, a tarde era ensolarada, agradável. Colocou um vestido de verão, de saia rodada. Uma trança no cabelo, havaianas e uma flor de mato colhida durante o caminho era o visual que ostentava.

Já dentro do cemitério, passava pelo caminho em direção ao túmulo de John. Viu descer da mesma direção um homem bem distinto, branco, dos olhos verdes e cabelos bem negros e lisos, meio despontados na frente. Usava uma camisa de botões preta e uma calça jeans com tênis all star. Estava sério, meio inconformado, mas normal. Era raro ver alguém feliz naquele cemitério. Com certeza deveria ter motivos parecidos com os dela.

Ao som de He War – Cat Power tocando no mp3 do seu celular, ela chega ao túmulo. Agora, mais calma, até mesmo conversa com John, contando sobre seu dia, trivialidades sobre o que fez no almoço, o fato de estar de TPM e outras coisas do cotidiano, que ele costumava às vezes prestar atenção.
Olhou para a lápide e viu uma rosa, deitada sobre o esquife com um pequeno cartão do lado. Estranhou. A última chuva de primavera havia levado embora todas as flores e lembranças deixadas para o defunto. Aquela rosa era nova, não estava despetalada, era de hoje...

O texto do cartão era apenas algo escrito a mão livre de caneta azul. Merci... Obrigado em francês. A letra parecia um pouco com o convencionalizado como letra de médico, uma letra ruim, que dá pra entender o que está escrito, mas sem preocupações estéticas.

Não se lembrava de ninguém que tivesse a letra parecida, porém, com um instinto curioso que sempre fez parte de sua personalidade, guardou o cartão no bolso do vestido. Afinal, era o túmulo de seu marido, interessava-lhe muito saber quem lhe escrevia coisas em francês.

Desceu o pequeno morro do cemitério de volta pra casa, aliviada, porém intrigada. O fato da pessoa ter escrito merci não significava nada, até ela reconheceu que aquilo era francês. Isso não era coisa de pessoa francesa, mas de alguém que tinha certa intimidade com o falecido, que tinha no mínimo, certa cumplicidade, um colega de trabalho, uma amiga, uma ...

Suspendeu os pensamentos que acabara de ter, e respirou fundo... Que loucura era essa? Ele nunca escondera nada, nunca houve indícios de nada, ela sabia de toda sua vida, conhecia todos os amigos dele, os fins de semana ele sempre a privilegiava, a ponto de alguns amigos dele reclamarem...

Balançou a cabeça e viu que estava cansada, resolveu ir pegar o ônibus. Tinha um que iria deixa-la na porta de casa.

Sentou-se num dos abrigos de ônibus colocado recentemente pela prefeitura do município. Imersa em seus próprios pensamentos, relembrando as coisas boas do tempo de casada e no que iria fazer, agora que eram apenas ela e seu filho. Morar perto de sua mãe seria uma boa opção, pois aí sua mãe cuidaria do Miguel enquanto ela procurava trabalho. Qualquer que fosse, atendente de loja, secretária...

- Com licença, desculpe atrapalhar, estou vendo que está tão concentrada, mas preciso de ajuda. – Era o belo jovem, de olhos verdes do cemitério, estava por ali, meio perdido há algum tempo. – é que eu não estou acostumado a vir para cá, não me lembro do ônibus que peguei para vir... O que volta pra cidade...
- Ah, vou ficar de olho também, estou esperando o mesmo ônibus.
- Ok, qualquer coisa me dá um toque viu...
- Tá, pode deixar.

Em alguns minutos, o ônibus chegou e os dois embarcaram. Ela, por ter entrado primeiro, sentou-se na janela, para apreciar a brisa gostosa do fim de tarde. Ele, mesmo com o ônibus vazio, sentou-se ao seu lado.
- Me desculpe, sei que queria sentar sozinha, mas odeio andar de ônibus sozinho, quase não pego ônibus na verdade.
- Não, tudo bem, só que vou descer logo... Só peguei este ônibus porque estou cansada...
- Você mora aqui perto?
- Sim, há alguns quarteirões...
- Aqui é um bairro calmo né?
- É sim, mas vou me mudar... Esse lugar me lembra de muitas coisas que quero esquecer... Disse olhando perdidamente para a janela.
- Ah... Estamos vindo do mesmo lugar... Esqueci...
- Deixa pra lá, já chorei tudo que tinha que chorar... Agora posso dizer que estou bem, pronta pra começar do zero de novo.
- Sua mãe? – Pergunta intrometida, mas num tom natural, apenas para dar andamento ao assunto.
- Não, meu marido...
- Ah... Como se chama?
- Angélica e vc?
- Eu me chamo Taylor...
- Aham... Olha, já estou chegando, vou ter que descer...
- Ok... Que dê tudo certo pra você... Merci...
- Nada, eu que agradeço... Pela companhia...

Puxou a famosa cigarra e desceu, quando colocou o segundo pé no chão é que se deu conta do “merci” que Taylor havia usado. Ele? Ele deixou o cartão pro meu marido? Quem era Taylor? Já tinha um nome pra pesquisar...

// Em off: na postagem anterior, está um preview da história, com fatos antecessores ao acidente. beijos a tod@s\\

Nenhum comentário:

Postar um comentário