sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Açucena




Açucena estava angustiada.
Era aquele dia que ela iria dizer para seu melhor amigo que o amava de forma intensa, que mesmo se o mundo se acabasse, agora que ela iria dizer o que pensava, a morte poderia visitá-la a qualquer hora que não se importaria. Mas antes precisava encontrá-lo.
Colocou o mais belo vestido de seu armário e o perfume mais doce de sua coleção. Soltou seus eternos cabelos presos sobre as suas costas e deixou que os cachos naturais mostrassem a verdade que havia em sua alma. Não havia mais motivo para esconder seu enorme e belo cabelo dourado misturado com mel.
Ao sair na rua, todos ficavam admirados em como era bonito seu cabelo. Alguns homens só continuavam a caminhar quando ela virava a esquina e perdiam de vista o longo balanço de seus cachos. Até mesmo algumas mulheres ficavam olhando petrificadas. Era tão bonito que sequer inspirava inveja. Era uma beleza que ninguém se atreveria a querer, alguns achavam que ela era abençoada, outros achavam aquilo uma maldição demoníaca.
Pisou com salto quinze no chão do quiosque onde se encontrariam. Uma noite gostosa de verão com uma breve brisa que cortava seu rosto e teimava em levantar seu vestido. Uma mulher que exalava sensualidade, sem fazer força alguma pra isso.
Sentou-se na mesa ao lado de seu grande amor.
Fizeram os pedidos e esperaram em silêncio.
Entraram num doloroso jogo de mímica e poder. Enquanto as pessoas da mesa em volta admiravam a beleza daquela mulher e sentiam inveja daquele homem, o pensamento de ambos flutuava por lugares inimagináveis. Ela olhava majestosamente para a lua, ao mesmo tempo admirando sua beleza e posando como uma Vênus, com os braços estendidos e fechando os olhos em alguns momentos, sentindo o cheiro da brisa marítima. Enquanto ele olhava a carta de bebidas, escolhendo cuidadosamente o que iria beber e tentava com a outra mão pegar o seu celular para desligar.
- Vinho? Perguntou ele.
-Branco. Respondeu ela.
Ela fazia o balanço de seus sentimentos por ele e percebeu que se sentiu mais viva com os olhares das pessoas na rua, do que por aquele gesticular metódico que ele demonstrava, sequer elogiando seus esforços em ficar bonita.
-Desculpe o que você queria falar Açucena?
-Nada. Descobri que me amo demais. Te amei mas passou.
Ele olhando atônito para aquela mulher, ficou sem reações e sem ter o que dizer. Enquanto ela deixava uma nota de cinqüenta reais na mesa e saia correndo para a praia, ele finalmente admirava a mulher que havia perdido. Um olhar brilhante, uma mulher que era pura sedução e passou todos estes anos disfarçada de sua grande amiga e agora partia para voar como uma gaivota adulta, numa vida que não lhe pertencia mais.
Ela entrou na água de vestido e tudo, e ficou brincando na areia até amanhecer. Estava feia de novo, com cabelo cheio de areia, seu vestido molhado, seus saltos quebrados e fedendo a maresia. Porém sua alma resplandecia, finalmente começou a viver sua própria vida. E isto estava claro no olhar das pessoas pela rua. Um olhar de inveja, por ela ser livre.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Magnólia



Era tarde naquele dia de primavera. As primeiras gotas de sereno caíam sobre o rosto de Magnólia enquanto era puxada pelo seu namorado.
Ela sabia que naquele momento daria seu primeiro beijo debaixo daquela amendoeira.
Quando encostou os lábios nos dele, num beijo melecado e barulhento que quase a deixou tonta, ela chega a uma conclusão:
Que seu primeiro beijo teve gosto de feijão.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Hortência



Hortência chegou da escola e trancou-se no armário de roupas do seu quarto. Tudo que queria era encontrar o “espírito” que morava em seu armário. Dizia ela ser seu melhor amigo. Alguém com quem conversava e que a entendia, que a dava conselhos...
- Hoje eu joguei vôlei e fiz cinco pontos... Dizia ela
Silêncio em seguida.
Seus pais já haviam contratado psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, padres exorcistas, mães de santo, cartomantes... e nada... Eles já estavam preocupados com sua filha única. Passou dois dias trancados lá. Ela e o espírito. Até que na terceira noite, eles não agüentaram e abriram a porta.
Um cheiro forte subiu. Era o corpo morto de Hortência jogado no chão com uma faca de cozinha enfiada no peito. Ao lado, em cima de uma calcinha, uma carta escrita com uma letra de forma estranha, que não era de sua filha.
- Ela precisava de amor. Vocês não deram, eu a levei para ser feliz comigo em meu mundo. Ass: Espírito.
A mãe levou dez anos para sair do hospício depois do ocorrido.

domingo, 14 de junho de 2009

Íris



Preparava o ritual. Chumbinho, inseticida, gasolina e querosene misturados num só copo. Deitou e esperou dar meia-noite. Durmiu.
Era quinze pra meia-noite o despertador tocou. Acordou e vestiu a roupa que mais gostava. Um lindo e sensual vestido vermelho. Colocou maquiagem e penteou o cabelo, mais rápido que o costume.
A lua estava bonita. A noite, a mais linda.
Quando o relógio da sala deu os primeiros badalos, segurou o copo com as duas mãos e foi em direção a janela. Pegou o copo e o conteúdo dele e jogou rua abaixo.
- Hahaha!!!!! Seu idiota! Você não vai me matar! Gritou Íris rindo tanto que quase teve um ataque do coração.
As poucas pessoas que estavam na rua entraram para suas casas, assustadas com aquela gargalhada.

sábado, 13 de junho de 2009

Margarida



Entrou e sentou na primeira cadeira vazia que viu no cinema. O filme já havia começado. Tomou um belo toco do garoto da escola com quem tinha marcado de ver o filme. Já que estava ali, não ia perder a viagem.
Um cara lindo estava sentado em sua frente e volta e meia olhava pra traz, torcendo o pescoço pro lado que ela estava. Enquanto todos gritavam de susto naquele filme de terror, ela não tirava os olhos dele. Acreditava que não voltaria pra casa sozinha.
Até que um outro cara lindo atravessa a porta do cinema com duas pipocas na mão e senta ao lado do bonitão, tascando um longo e melecado beijo. Ela, atônita sem entender o que acontecia, percebeu o engano que cometera.
- Nunca mais me sento ao lado da porta de entrada! Exclamou ela baixinho, morrendo de raiva, sentada ao lado da porta onde as pessoas entram, onde o letreiro vermelho escrito entrada parecia rir dela.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Sakura


Durmiu abraçado a sua boneca de cabelos vermelhos, que era chamada de Sakura por causa de algum desenho japonês. Aquele garoto de 14 anos, já homem, que para os colegas era o pegador de mulher, no fundo no fundo não passava de um garoto que brincava de boneca escondido.
Sonhava com seu mundinho enquanto se aquecia no cobertor elétrico, dedão na boca, abraçado a boneca comprada via internet. No criado mudo, restos de um baseado queimado. Cinzas no chão.
Acordou, guardou a boneca, vestiu-se de preto e saiu, ia dar um role e contar vantagem das minas que já tinha pego no seu grupinho de amigos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Lírio


Enquanto teclava no MSN e ouvia músicas da cantora Kate Bush, ela, nas páginas por onde passava, procurava sempre entender o porquê de estar sozinha naquela tarde de domingo enquanto todas as suas amigas com seus respectivos namorados sempre tinham o que fazer.
Talvez Lírio, em sua busca inconsciente por um amor nunca tivera bons resultados porque nunca mostrou-se frágil como suas amigas.
Olhou para a parede por um segundo e viu uma barata voadora pousada bem próxima, a ponto de voar em seu cabelo. Ela calmamente pegou seu chinelo e matou-a num golpe ninja.
- Eu não preciso de homens! Gritou ela naquele momento de libertação de si mesma.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Orquídea



Vestiu branco da cabeça aos pés para ir ao enterro de sua mãe. Não usava roupas pretas. A única coisa que tinha nas mãos era uma tolha bordada com seu nome. Orquídea sem acento agudo, da forma que ela costumava assinar.
Parecia uma mãe de santo com aquele vestido longo de verão até os tornozelos. Sentada, seu rosto era um nada que continha tudo. Não derramou uma lágrima sequer aquele dia. Mesmo quando descobriu o véu do rosto de sua mãe, apenas olhou e passou a mão sobre as rugas daquele rosto tênue e suave daquele corpo morto.
Fez um gesto para que os coveiros levassem o caixão. Não acompanhou o corpo. Alguns disseram que a viram derramar uma lágrima por um momento mas ninguém tinha certeza do fato. Sentou em um dos bancos e ficou ali até que o dia escurecesse.

domingo, 7 de junho de 2009

Tulipa 2



Haviam várias meninas fazendo jogo do compasso no banheiro interditado da escola, onde diziam que alguém havia morrido há muito tempo. Diziam que ali era o local ideal para conjurar os espíritos.
Orquídea, Margarida e Lírio, em meio ao entulhado de cadeiras velhas e livros velhos, sentavam em volta de um papel com um círculo desenhado, as letras do alfabeto e as palavras “sim” e “não” enquanto perguntavam ao compasso que respondia perguntas.
- Quem é você? Perguntou Orquídea equilibrando o compasso em seu dedo indicador.
- Sou alguém que você conhece muito bem. Respondeu o compasso.
- Qual o seu nome?
- Tulipa! Respondia o compasso apontando com a ponta solta as letras no círculo.
Do outro lado uma das cadeiras se levantou a dois palmos do chão e o compasso voou, prendendo na parede pela ponta afiada. Um grito ecoou pelas paredes daquele maldito banheiro.
- AAAAaahhhhh!!!!!
As meninas correram tanto que até se esqueceram de fechar a porta. Uma delas deixou um rastro de mijo amarelado no chão.

sábado, 6 de junho de 2009

Tulipa



Chegou em casa chorando. Na escola haviam lhe ridicularizado por parecer com a Betty a feia. Olhou no espelho o aparelho nos dentes, os óculos fundo de garrafa, as saias de crente, a bochecha sardenta.
Chorou, chorou, chorou.
Chegou na janela do apartamento e olhou para baixo, a partir do sétimo andar. Via as pessoas pequenas como formigas. A desprezavam, sequer sabia que ela os observava.
Tulipa chorou.
Sentou-se na janela com as pernas ao vento e jogou-se abismo abaixo, na tentativa de ser notada.

Rosa


Chegou em casa e tirou as lente de contato azuis. Tirou o aplique do cabelo, lavou o rosto e tirou toda a maquiagem do rosto. Sentou-se na cama e ficou olhando-se no espelho enquanto desamarrava o espartilho. Tirou o sapato apertado. Jogou no meio da cama a calcinha com enchimento na bunda e o sutiã levanta-peito.
- Sou só uma gorda feia do cabelo duro. Disse Rosa para si mesma enquanto olhava-se no espelho.
Deitou, durmiu, acordou e vestiu a fantasia de novo. Saiu gata, arrancando elogios de todos na rua enquanto seguia para o trabalho.